Natural de Caçapava (SP), cidade a 109 km da capital, o sargento Gilberto Luiz Quinsan, e o irmão, Hildo, estavam entre os 5 mil soldados que desembarcaram em Nápoles naquele dia. “Se pudesse, esqueceria os meses que passei lá. Riscaria aquele inferno da minha mente”, confessou à AH o ex-combatente da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que integrava o 6º Regimento de Infantaria. “Guerra é uma estupidez sem tamanho: você não pode acender uma luz, fumar um cigarro ou fazer uma refeição porque não sabe se o inimigo está de olho em você.”
Sob o comando do general Zenóbio da Costa, aquele seria o primeiro dos cinco escalões enviados à Itália para lutar na Segunda Guerra. Ao todo, 25.334 expedicionários – 15.265 deles combatentes propriamente ditos – participaram do maior confronto militar do século 20. Na Campanha da Itália, os soldados da FEB, incorporados ao 5º Exército dos EUA, comandado pelo general Mark Clark, participaram de batalhas decisivas, como a conquista de Monte Castelo, Castelnuovo e Montese.
Adversários naturais
Assim que pisaram na Itália, os soldados brasileiros descobriram que os alemães não seriam o único inimigo a ser combatido. Os Exércitos germânicos recuaram até os Montes Apeninos, onde estabeleceram sólidas linhas de defesa. Do alto da cordilheira italiana, tinham posição privilegiada para atirar em quem ousasse se aproximar de suas posições. “O terreno montanhoso favorecia a defesa e exigia uma superioridade numérica mínima de três para um da parte dos atacantes”, afirma Dennison de Oliveira, autor dos livros Os Soldados Brasileiros de Hitler e Os Soldados Alemães de Vargas.
Combatente da FEB na Itália / Reprodução
Como se não bastasse a geografia acidentada, os pracinhas brasileiros também enfrentaram um dos invernos mais rigorosos do século naquela região da Itália. Por diversas vezes, a temperatura chegou a 20 graus abaixo de zero. “As condições climáticas desfavoráveis impunham enorme sacrifício e desgaste à tropa, que tinha que se deslocar e combater o inimigo sob forte chuva e intenso nevoeiro. Se o clima hostial inviabilizava o uso de aeronaves, o terreno acidentado anulava o emprego de tanques e blindados”, diz Dennison.
Na opinião dos historiadores, o treinamento das forças expedicionárias foi precário e insuficiente. Não levava em consideração nem o terreno montanhoso do teatro de operações, nem as condições climáticas do inverno italiano. Na maior parte das vezes, o combatente brasileiro foi mandado para a linha de frente sem ter a menor noção de como manusear um fuzil, desarmar uma armadilha ou invadir uma casamata.
“O pior inimigo da FEB na Segunda Guerra Mundial, além do soldado alemão, é claro, foi seu treinamento deficiente no Brasil”, diz Francisco César Ferraz, doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL). “Dos três primeiros escalões, apenas o primeiro, formado pelo 6º Regimento de Infantaria, teve algum tipo de treinamento mais satisfatório. Algumas unidades foram encaminhadas para a ação sem terem disparado um único tiro com os armamentos norte-americanos.”
Na linha inimiga
Durante as patrulhas, o risco de morte era iminente. Muitas vezes observados pelo inimigo, os pracinhas estavam expostos a minas e armadilhas escondidas em casas, móveis, objetos e até em cadáveres de soldados. “Logo que chegamos, perdi um primo, Abílio Fernandes. O coitado pisou numa mina terrestre e voou pelos ares”, afirmou em entrevista à AH Antônio Fernandes das Neves, do 6º R.I. “Certo dia, uma granada caiu bem do meu lado na trincheira. Graças a Deus, não explodiu. Se tivesse explodido, não estaria aqui hoje para contar a história.”
Ao contrário do que se possa imaginar, a troca de tiros de fuzil e metralhadora não era prática recorrente na Itália. “Os dois lados evitavam ao máximo abrir fogo contra o inimigo”, lembrou o cabo Naldo Caparica, que integrava o Serviço Especial da FEB e editava o jornal Zé Carioca, muito popular entre os soldados. “Na calada da noite, você ouvia um barulhinho qualquer mas não sabia identificar a origem. O pior é que você também não podia atirar à toa. Se errasse o alvo, denunciava sua posição para o inimigo.”
De posse das informações obtidas pelas equipes de patrulha, os comandantes preparavam os ataques. Se os inimigos se rendessem ou recuassem, o ataque poderia ser considerado bem-sucedido. Então, as tropas ocupavam o território recém-conquistado e já se preparavam para defendê-lo de um eventual contra-ataque. Se a ofensiva fosse malsucedida, as tropas atacantes deveriam recuar, socorrer os feridos, contabilizar as baixas, recompor as unidades e planejar uma nova investida.
Dormir em pé
Entre patrulhas e missões, os expedicionários se acomodavam como podiam em casas, celeiros e estábulos abandonados. “Na Itália, aprendi a cochilar de pé. Dormir era praticamente impossível. Um minuto de desatenção podia ser fatal”, confessou à AH o soldado Artur Mariano dos Santos, do 6º R.I. “Os alemães não davam folga. Esperavam a gente dormir para atacar. No início, você se assusta com o barulho das bombas e dos morteiros. Mas, depois de alguns dias, se acostuma”, afirma o veterano, que perdeu parte da audição no campo de batalha.
Na maioria das vezes, os expedicionários da FEB cavavam trincheiras no chão, que os americanos apelidaram de foxholes (“buracos de raposa”). “Muitos soldados desenvolveram problemas de saúde em função das condições insalubres dessesfoxholes, principalmente o ‘pé de trincheira’, uma espécie de gangrena causada pela falta de circulação”, afirma Cesar Campiani Maximiliano, doutor em História pela USP e pesquisador do Núcleo de Estudos de Política, História e Cultura da PUC-SP.
Tomar banho, dormir em colchão ou comer algo menos indigesto que as rações de combate eram privilégios que os soldados não tinham na linha de frente. Muito pelo contrário. Tiveram que enfrentar dificuldades típicas de uma guerra, como falta das condições mais básicas de higiene, privação de sono por meses a fio e exposição a frio insuportável. Os combatentes tentavam atenuar os efeitos do frio da maneira que podiam. Uns colocavam palha e jornal dentro das galochas para manter os pés aquecidos. Outros dormiam com o cantil entre as pernas para que a água não congelasse.
Direto do front
Em patrulha no norte da Itália / Wikimedia Commons
Os expedicionários tiveram seu tão esperado batismo de fogo no dia 16 de setembro de 1944. Nesse dia, um batalhão do 6º Regimento de Infantaria tomou a cidade de Massarossa, importante entrocamento ferroviário na região da Toscana. “A missão foi confiada a um destacamento do 1º Escalão da FEB, que teve um treinamento relativamente rápido e incompleto, mas foi cumprida. Pela primeira vez, os soldados brasileiros receberam tiros de artilharia, se depararam com campos minados e tiveram contato com patrulhas inimigas”, afirma Francisco César Ferraz, autor do livro Os Brasileiros e a Segunda Guerra Mundial.
Para Maximiano, o verdadeiro batismo de fogo das tropas brasileiras só aconteceu 45 dias depois, mais exatamente em 31 de outubro, no ataque a Castelnuovo di Garfagnana, no vale do Rio Serchio. “O ataque foi bem-sucedido na fase inicial. Mas, antes que as tropas brasileiras, cansadas pelo combate, conseguissem assumir o controle do território, sofreu inesperado contra-ataque. Como os alemães tinham tropas de reserva naquela região, eles puderam organizar muito rapidamente uma forte reação”, descreve.
O autor dos livros Onde Estão Nossos Heróis?, Irmãos de Armas e Barbudos, Sujos e Fatigados, Maximiano pondera que a ação em Castelnuovo pode ser considerada o primeiro grande ataque da FEB na Segunda Guerra porque empregou um batalhão de aproximadamente 900 homens. “Em geral, o batismo de foto das unidades de Infantaria era feito gradualmente nos setores mais calmos do front para aclimatar os combatentes. Camaiore e Monte Prana, entre outras operações, foram meras ações de patrulha, coisa de pouquíssimos homens”, compara.
Para Ferraz, o revés da FEB em Castelnuovo di Garfagnana pode ser atribuído ao excesso de confiança das tropas brasileiras, somado à inexperiência em preparar-se para um eventual contra-ataque inimigo: “Esse trecho da linha de frente era muito extenso (12 km) e foi mantido pelos alemães por mais cinco meses. Os norte-americanos também não tiveram sucesso”.
Na opinião de Dennison de Oliveira, o ataque a Castelnuovo pode ser descrito como “um dos mais intensos e ferozes” na Campanha da Itália. “Quando chegamos lá, os alemães já estavam enfraquecidos. Caso contrário, não teria sobrado um brasileiro sequer para contar história. Mesmo assim, lutaram até o fim”, disse à AH o cabo Cleir de Carvalho, do 6º Regimento de Infantaria.
Sete meses e 19 dias depois da tomada de Massarossa, os expedicionários puderam, finalmente, comemorar o fim da guerra. No dia 2 de maio de 1945, as tropas alemãs que combatiam na Itália anunciaram sua rendição. Segundo Francisco César Ferraz, o desempenho da FEB pode ser comparado ao das melhores unidades aliadas envolvidas no front italiano. “Tropas novatas costumam cometer erros estúpidos, e os expedicionários brasileiros tiveram que aprender com seus reveses. Seu aprendizado, rápido, foi no próprio combate e, dentro das limitações próprias de uma divisão do Exército, eu diria que eles se saíram bem”, avalia o historiador.
No dia 20 de julho de 1969, exatos 48 anos atrás, pela primeira vez uma espaçonave tripulada pousava na superfície da Lua. Apenas algumas horas após a alunissagem, Neil Armstrong e Buzz Aldrin se tornariam os primeiros humanos a caminhar sobre outro corpo celeste. Estava provado que a humanidade podia mesmo visitar outros mundos e não estava limitada a seu planeta de origem.
Após a Apollo 11, outras cinco missões tripuladas realizariam pousos na Lua, entre 1969 e 1972. Depois disso, contudo, ninguém mais voltou lá. Como esta jornada incrível foi acontecer e por que não se repetiu até hoje? Seria assunto para um livro inteiro, mas não temos todo esse tempo agora. Então, em comemoração ao 48° aniversário da histórica missão, o Mensageiro Sideral traz apenas um (longo) resumo da ópera.
No mais novo episódio de CONEXÃO SIDERAL, Buzz Aldrin relembra momentos da jornada. Logo depois, confira a incrível história de como humanos pela primeira vez deixaram nosso planeta para fazer a jornada até a Lua. E, para os bravos guerreiros que chegarem até o final do texto, algumas respostas para perguntas comuns sobre as famosas viagens que, sim, real e indiscutivelmente aconteceram.
No começo da década de 1960, os Estados Unidos estavam num duelo global pela supremacia geopolítica contra a União Soviética. Um dos aspectos essenciais dessa disputa consistia em provar superioridade tecnológica, e a conquista do espaço se tornaria uma bandeira crucial. No começo, os EUA estavam tomando uma lavada. O primeiro satélite artificial (Sputnik 1, 1957), o primeiro animal no espaço (Laika, no Sputnik 2, em 1957) e o primeiro homem em órbita (Yuri Gagarin, na missão Vostok 1, em 1961) foram todos russos. O presidente americano John F. Kennedy havia sido eleito justamente após o efeito Sputnik, acusando os EUA de estarem atrás dos russos em tecnologia de foguetes e mísseis. Quando a lavada parecia não ter fim, ele se reuniu com a chefia da recém-fundada Nasa para discutir que projeto de longo prazo estaria suficientemente distante e fosse tão desafiador que permitisse aos americanos chegarem à frente dos russos. A sugestão foi o envio de astronautas à Lua.
O CAMINHO TECNOLÓGICO (1962-1967)
Hoje, essa história não é contada com frequência, o que deixa a impressão de que a missão Apollo 11 nasceu do nada em 1969, como se tirada da cartola. Isso até pode encorajar pessoas a pensarem que ela foi uma fraude ou de algum modo não aconteceu como se conta. Mas qualquer um que resolva pesquisar a trajetória completa do programa espacial americano — e soviético — não terá dúvidas de sua veracidade.
Quando Wernher von Braun e sua equipe começaram a trabalhar nos planos para ir à Lua, ainda em 1961, enumeraram todas as tecnologias requeridas para ir até o solo lunar e voltar, com um plano adequado para executá-las. Seria preciso demonstrar que humanos poderiam trabalhar no espaço, dentro e fora de suas espaçonaves, que era possível se encontrar com uma outra espaçonave em órbita, acoplar-se a ela e manobrar de forma bem-sucedida para trocar de órbita e realizar a viagem da Terra à Lua.
Cada uma dessas etapas teria de ser completada antes que se chegasse a uma missão lunar completa, e para isso se prestaram os projetos Mercury e Gemini. As pequenas cápsulas Mercury, que voaram entre 1961 e 1963, só abrigavam um astronauta e, ao longo de seis missões, demonstraram que humanos podiam trabalhar bem a bordo de suas espaçonaves.
Os russos fizeram o mesmo com suas missões Vostok, que ainda tinham grande vantagem tecnológica sobre as Mercury. Os russos pretendiam concorrer pela conquista da Lua e para isso iniciaram também a formulação de seus planos. Mas só chegaram aos elementos do design, o projeto secreto L3-N1, dois anos depois dos americanos, em 1963. Nas pranchetas, graças ao arrojo de Kennedy em lançar a aprovar rapidamente um projeto de grande magnitude, eles já não tinham mais a dianteira. Mas, na realidade, pareceram manter vantagem até 1965, quando o cosmonauta Alexei Leonov realizou a primeira caminhada espacial da história, com a nave Voskhod 2.
Contudo, a Voskhod, que era só uma versão mais caprichada da Vostok, não havia sido pensada com o desafio lunar em vista e tinha uma série de limitações. Nesse sentido, era bem diferente das cápsulas Gemini americanas, que foram projetadas justamente para dar suporte ao Projeto Apollo de conquista lunar.
Voando entre 1965 e 1966, as Geminis levavam dois astronautas em cada missão e testaram todas as tecnologias requeridas para a chegada à Lua. Além de equiparar a capacidade soviética de realizar caminhadas espaciais, as Geminis, ao longo de dez voos tripulados, foram as primeiras a realizar encontros, manobras de aproximação e acoplamento, além de voos de duração similar à requerida para a ida à Lua — mas tudo em órbita terrestre.
Em paralelo, todos os sistemas para o projeto Apollo estavam sendo desenvolvidos — dentre eles o foguete Saturn V. Os russos tinham seu próprio foguetão, o N1, e a espaçonave L3 era basicamente um módulo de pouso lunar acoplado a uma versão do que viríamos a conhecer como as naves Soyuz. A corrida entre os dois países estava em ritmo acelerado, mas só os russos realmente sabiam disso — os planos soviéticos eram mantidos em segredo na época, e as únicas pistas que os americanos tinham deles eram fotografias tiradas por satélite das plataformas de lançamento russas.
Não por acaso, essa época de pesquisa e desenvolvimento intensa foi a que consumiu mais dinheiro. O ano em que a Nasa gastou mais foi 1966, em que o orçamento chegou perto de 5% do total gasto pelo governo americano em todos os setores — uma fábula. Em dólares de hoje, seria algo como 45 bilhões. A Nasa de hoje, claro, gasta bem menos — cerca de US$ 19 bilhões por ano, correspondente a menos de 0,5% do orçamento total americano –, e isso ajuda a explicar porque o sucesso da Apollo jamais foi replicado.
E, claro, para os conspiracionistas, não custa lembrar que daria para fazer uma fraude por muito menos que US$ 45 bilhões. Mas, claro, esse não foi o único custo pago para a chegada à Lua. Houve vidas em risco também.
OS ERROS (1967)
Russos e americanos estavam numa corrida frenética. Não havia prêmio para o segundo colocado. Isso naturalmente seria a receita perfeita para uma tragédia. E ela aconteceu — dos dois lados.
Em 1967, os americanos já tinham uma suave dianteira sobre os russos e foram os primeiros a testar uma cápsula Apollo. O voo inaugural estava sendo preparado, e testes em solo estavam sendo conduzidos, quando, em 27 de janeiro, um incêndio acidental incinerou seus três tripulantes: Gus Grissom, Ed White e Roger Chaffee. Um escândalo — um acidente fatal com uma espaçonave em solo. A Nasa teria de fazer uma investigação e repensar diversos sistemas para sua espaçonave lunar. Era a deixa que os russos precisavam para recuperar a frente.
Mas… eles estavam sob a mesma pressão que os americanos, com o agravante adicional de terem perdido seu projetista-chefe, o brilhante Sergei Korolev, em 1966. Um acidente do lado soviético era só questão de tempo — e nem foi muito tempo. A Soyuz 1 teria o mesmo destino da Apollo 1. Ela chegou a ir ao espaço, em 23 de abril de 1967, e ia testar a capacidade russa de encontro e acoplagem, mas uma série de falhas levaram ao fim trágico da missão — o para-quedas da cápsula falhou, e seu único ocupante, Vladimir Komarov, foi morto após ser esmagado contra o solo.
Os russos também teriam atrasos com seu foguete N1, o que acabou devolvendo a dianteira aos americanos.
A CORRIDA PARA A LUA (1968-1969)
Um ano após o acidente da Apollo 1, a Nasa estava pronta para retomar os voos tripulados. Após uma série de missões automatizadas para testar os sistemas e o foguete Saturn V, em 11 de outubro de 1968 voaria a Apollo 7, que levaria o módulo de comando — a cápsula que abrigaria os astronautas no espaço — até a órbita terrestre, num voo de 11 dias.
Os russos seguiam no encalço, e a Soyuz 3, primeira missão tripulada soviética após o acidente de Komarov, voaria em 26 de outubro.
Os americanos ainda estavam sob risco de perder. E nunca esse perigo se manifestou de forma tão intensa como quando chegaram notícias da Zond 5, uma espaçonave soviética que levou os primeiros tripulantes a um voo circunlunar — duas tartarugas, além de um punhado de bactérias –, em setembro de 1968. Foi a primeira espaçonave a ir até as imediações da Lua e retornar para um pouso na Terra. E um voo realmente tripulado podia vir a seguir; com efeito, hoje sabemos que Alexei Leonov estava escalado para estar nele.
Os americanos não tinham planos de ir até a órbita lunar antes de 1969. A ideia era testar primeiro o módulo lunar em órbita terrestre, e só depois ir à Lua. Mas os russos obrigaram a uma mudança de planos, levando a Apollo 8 — sem módulo lunar, só com módulo de comando — a ser a primeira missão destinada a ir à órbita lunar. Ela foi lançada em dezembro de 1968, e Frank Borman, Jim Lovell e William Anders se tornaram os primeiros humanos a entrar em órbita lunar, dando dez voltas ao redor da Lua, antes de retornarem em segurança à Terra.
A Zond 6 russa, levando mais uma vez só animais, não teve sucesso, e se espatifou na reentrada. Os problemas se dissipavam de um lado e se acumulavam de um outro. Àquela altura, os americanos já tinham confiança de ir à órbita lunar com astronautas. Faltava testar o módulo lunar e efetuar o pouso. A Apollo 9 testou os trajes espaciais lunares e o módulo lunar em órbita da Terra, e a Apollo 10 — segunda missão a ir à Lua — fez um ensaio geral: tudo foi realizado para um pouso, exceto sua conclusão. O módulo lunar foi levado a 15 km do solo e depois retornou, deixando apenas um “detalhe de Parreira” para a Apollo 11 — a alunissagem.
Àquela altura, o Saturn V já havia se provado como confiável para as missões — o mais potente foguete já projetado.
Em compensação, os russos comiam o pão que o Tio Sam amassou com o foguete N1. Seu desenvolvimento havia começado quase quatro anos após o Saturn V, seu projetista-chefe estava morto, e o projeto tinha menos recursos do que os necessários. Seu primeiro voo-teste aconteceria em 21 de fevereiro de 1969 e duraria menos de três minutos. Fracasso. Outra tentativa seria feita a menos de 20 dias da vitória americana, no dia 3 de julho. Explodiu.
Em 16 de julho de 1969, o Saturn V levando Neil Armstrong, Buzz Aldrin e Michael Collins, a bordo da Apollo 11, estava pronto para partir.
APOLLO 11 (16-24 de julho de 1969)
Às 10h32 de Brasília, 9h32 de Cabo Canaveral, o Saturn V decolou, levando o trio de astronautas e a Apollo 11 até uma órbita terrestre baixa. Após uma volta e meia ao redor da Terra, o terceiro estágio do foguete, ainda acoplado à nave, disparou por 5 minutos e 48 segundos, colocando a Apollo 11 numa órbita translunar — a caminho da Lua.
Por medida de segurança, a trajetória calculada era de “retorno livre”. Se algo desse errado no caminho, a nave faria um oito ao redor da Lua e retornaria para a Terra sozinha, só pela força da gravidade.
Uma vez na rota translunar, era preciso separar a nave do foguete. O módulo de comando e serviço (batizado pelos astronautas de Columbia) se desacoplava, virava em 180 graus e se encaixava ao módulo lunar, que estava preso ao terceiro estágio do foguete, protegido por quatro painéis que se soltavam. (Um deles, inclusive, é provavelmente o tal “óvni” que dizem que Buzz Aldrin viu a caminho da Lua — ele comenta isso na entrevista acima!)
Ao “extrair” o módulo lunar, o terceiro estágio do Saturn V era manobrado para entrar numa órbita solar e não “incomodar” posteriormente.
A pedido dos astronautas, não houve experimentos a realizar na jornada de três dias e meio até a Lua — todos queriam estar concentrados para a fase crucial e inédita da missão. Salvo por dois ajustes de curso no caminho, o principal trabalho era se preparar para pousar na Lua.
Em 18 de julho, Armstrong e Aldrin colocaram pela primeira vez seus trajes espaciais lunares e testaram também os sistemas do módulo lunar.
Em 19 de julho, iniciou-se a manobra de inserção orbital lunar. Um disparo do motor do módulo de serviço por 357,5 segundos colocou a nave numa órbita elíptica, e um segundo disparo de 17 segundos circularizou a órbita com altitude em torno de 110 km.
Em 20 de julho, checagem final do módulo lunar Eagle e, 100 horas e 12 minutos após a partida da Terra (4 dias, 4 horas e 12 minutos), ele se desacoplou do módulo de comando Columbia. Na descida, Armstrong e Aldrin; em órbita lunar, ficaria Collins.
O módulo lunar disparou seu motor para frear e, com isso, acentuar sua descida até a Lua com a ajuda da gravidade lunar. Até aí, tudo exatamente como executado na missão de ensaio, Apollo 10.
A etapa final da descida, contudo, seria bastante tensa. Após novas manobras e o uso do motor de descida para um pouso controlado, Armstrong e Aldrin notaram que o terreno sob a nave estava passando alguns segundos antes do esperado — eles pousariam além do sítio de pouso originalmente planejado.
Para ajudar, o limitado sistema de computador da nave estava sobrecarregado por dados e disparando um alerta de falha constante. Armstrong teve de controlar a descida final para evitar terreno pedregoso e consumiu 40 segundos a mais de combustível do que o previsto — e menos de 30 segundos antes do limite de consumo estabelecido para o pouso.
E então, após alguns segundos de silêncio que pareceram uma eternidade no Centro de Controle, vieram as palavras de Armstrong: “Houston, Base Traquilidade aqui… o Eagle pousou.”
Às 17h17 de Brasília (16h17 em Cabo Canaveral), com o pouso bem-sucedido, começava um período de atividades de pouco mais de 21 horas em solo lunar — mas, claro, de todo esse tempo, a maior parte gasta dentro do módulo mesmo. À superfície da Lua, Neil Armstrong só desceu pouco mais de quatro horas após a alunissagem, às 23h39 (de Brasília). O astronauta abriu a escotilha e vagarosamente desceu à superfície, ativando a câmera para a transmissão ao vivo para a Terra enquanto estava na escada do módulo. Às 23h56 (de Brasília), colocou sua bota esquerda sobre o solo lunar. “Um pequeno passo para um homem, um grande salto para a humanidade.”
Cerca de 20 minutos depois, Aldrin se juntava a ele no solo. Eles colheriam amostras, instalariam um pacote de experimentos em solo e deixariam na Lua também medalhas comemorativas em homenagem àqueles que deram suas vidas pela conquista da Lua — não só o trio da Apollo 1, mas também Komarov, que morreu em 1967 na Soyuz 1, e Yuri Gagarin, que morreu num acidente de avião em 1968. A corrida era entre americanos e soviéticos, mas, uma vez vencida por alguém, a vitória era de toda a humanidade. Também foram levadas mensagens de boa-fé de 73 líderes mundiais e um broche com um ramo de oliveira, um símbolo de paz.
Aldrin foi o primeiro a retornar ao módulo lunar, seguido por Armstrong cerca de 40 minutos depois. No total, as atividades extra-veiculares duraram pouco mais de duas horas e meia.
De volta ao módulo lunar, um período de descanso de sete horas, antes da decolagem. O módulo foi construído em duas partes — a de descenso e a de ascensão, com a primeira servindo de plataforma de lançamento para a segunda.
Mesmo depois do pouso bem-sucedido, ainda havia tensão para a manobra. O presidente americano Richard Nixon já tinha até um discurso preparado por um assessor para o caso de haver fracasso na decolagem da Lua: “Esses bravos homens, Neil Armstrong e Edwin Aldrin, sabem que não há esperança em sua recuperação. Mas eles também sabem que há esperança para a humanidade em seu sacrifício.”
Felizmente não foi preciso ler diante do mundo a funesta mensagem. A decolagem se deu no dia 21 de julho, seguida pela acoplagem do módulo de ascensão com o Columbia, que àquela altura já havia dado 25 voltas ao redor da Lua.
Com amostras e astronautas transferidos ao módulo de comando, o módulo de ascensão é descartado, para cair no solo lunar, e o motor do módulo de serviço é acionado para colocar a nave no rumo de volta para a Terra. Em 24 de julho, o módulo de comando se desprendeu do de serviço e reentrou na atmosfera terrestre, sendo recuperado no Oceano Pacífico. Fim da maior aventura já empreendida por seres humanos. Começo de uma série de incursões lunares.
APOGEU E QUEDA DA ERA APOLLO (1969-1975)
A Apollo 11 provou que era possível ir à Lua, e as missões seguintes provariam que seria possível fazer mais — e que o perigo ainda estava à espreita.
A Apollo 12, que voou ainda em 1969, demonstrou a capacidade de pouso de precisão, descendo próximo ao veículo não-tripulado Surveyor 3. Os astronautas trouxeram de volta a câmera da sonda, para que a Nasa estudasse os efeitos do ambiente lunar sobre ela após alguns anos.
A Apollo 13, em 1970, devia pousar, mas um acidente no meio do caminho quase levou à morte dos astronautas. O que os salvou foi o uso do módulo lunar como um “bote salva-vidas” e uma trajetória de retorno livre, a exemplo daquela adotada cautelosamente no lançamento da Apollo 11.
A Apollo 14, em 1971, fez o que a Apollo 13 não conseguiu, e a 15 deu um salto qualitativo, com um módulo lunar atualizado e um jipe lunar dobrável, para dar maior alcance aos astronautas na exploração. Apollo 16 e 17, em 1972, também tiveram seus jipes, mas as missões lunares já não capturavam mais o interesse do público como antes.
A corrida espacial chegava ao fim, a um custo extraordinário, e as missões Apollo 18, 19 e 20, embora planejadas, acabaram canceladas. A última espaçonave Apollo foi usada em 1975 para selar a paz entre americanos e soviéticos no espaço, num encontro em órbita com uma espaçonave Soyuz.
Depois disso, a Nasa foi comandada a buscar meios de reduzir o custo de acesso ao espaço, e o resultado foram os ônibus espaciais, que voaram entre 1981 e 2011. Os russos envidaram seus esforços para desenvolver estações espaciais, como a Mir, e os dois programas se encontraram em definitivo com a queda da União Soviética e a formação do consórcio de construção da Estação Espacial Internacional, liderado por russos e americanos em parceria.
Agora, com inovações tecnológicas e a aposentadoria dos ônibus espaciais, a Nasa fala novamente em voltar a Lua e talvez ir a Marte. Certamente, desta vez não será uma corrida, e sim um projeto de cooperação internacional, nos moldes da estação espacial. Mas os próximos capítulos certamente nos remeterão àquela era em que duas nações disputaram freneticamente a hegemonia no espaço e, com isso, catalisaram o que parecia impossível apenas uma década antes — levar humanos à Lua e trazê-los de volta em segurança.
PERGUNTAS QUE INSISTEM EM NÃO CALAR
1- Se realmente os americanos foram à Lua entre 1968 e 1972, por que jamais retornaram?
São basicamente duas as razões. A principal é custo. Com o fim da corrida espacial, não havia motivação suficiente para gastar o que seria necessário para manter ou expandir o Projeto Apollo. Na verdade, o grande projeto seguinte adotado pelos americanos foi o dos ônibus espaciais, justamente na esperança de reduzir o custo das missões espaciais. Não deu certo, os ônibus, apesar de reutilizáveis, se mostraram caros demais, e por isso nunca sobrou dinheiro para sequer tentar uma volta à Lua – até agora. Recentes evoluções da tecnologia, como os foguetes reutilizáveis (e baratos) da SpaceX de Elon Musk, e novas diretrizes estratégicas, como a aposentadoria dos ônibus espaciais, humanos brevemente estarão de volta à órbita lunar. Certamente isso acontecerá antes de 2025.
2- Quem filmou a descida de Neil Armstrong à superfície, se ninguém estava lá antes dele chegar?
A câmera de TV era instalada do lado de fora do módulo lunar e era posicionada e ativada pelo astronauta na descida pela escada. Depois que ela foi ativada e controle da missão confirmou a recepção das imagens, Armstrong recebeu a autorização para descer os últimos degraus da escala e marcar sua bota no solo lunar.
3- E as inconsistências nas imagens, que mostram a bandeira tremulando, sombras não paralelas e penumbra sem atmosfera?
Essas ditas “inconsistências” na verdade são totalmente consistentes com a realidade lunar. Uma observação atenta das imagens mostra que a bandeira não tremula realmente, mas apenas balança respondendo à vibração do mastro conforme os astronautas a fincam no solo. As sombras são tão paralelas quanto possível num terreno irregular e acidentado. Qualquer observação de sombras sob o Sol, na Terra, mostrará que elas não se mostram paralelas sobre um terreno que não é plano. E é falsa a ideia de que a regiões não iluminadas diretamente pelo Sol deveriam ser completamente escuras na Lua. A questão da penumbra não tem nada a ver com a presença ou não da atmosfera, mas sim com a presença de fontes secundárias de luz. Quaisquer objetos que refletissem luz – como a superfície da Lua ou mesmo as roupas brancas dos astronautas – serviriam para iluminar parcialmente o ambiente na sombra.
4- E aquele papo de a Nasa ter perdido as imagens da missão Apollo 11?
Há um grande exagero nessa “perda”. As missões foram registradas com câmeras de filme fotográfico de altíssima qualidade, e nenhum dos vídeos ou fotografias obtidos assim foi perdido. A única coisa que a Nasa, por acidente, apagou foi a fita magnética que estava gravando o sinal original de TV recebido da Lua para a transmissão ao vivo. Uma estupidez, mas nada chocante, levando em conta que essas imagens já tinham baixa qualidade mesmo na versão original e se prestavam somente para exibição ao vivo. Ainda assim, a agência espacial americana fez grande esforço para “remasterizar” esse material, a partir de incontáveis cópias disponíveis em vários arquivos de TV espalhados pelo mundo, de forma que não há um segundo sequer da missão que não tenha seu vídeo hoje disponível.
5- E a entrevista do Stanley Kubrick no YouTube dizendo que ele filmou a missão Apollo 11 num estúdio?
Essa é uma das coisas mais bizarras da era “fake news”. O sujeito não se parece com Stanley Kubrick, não fala como Stanley Kubrick, mas tem gente que acredita que seja Stanley Kubrick. O mais engraçado é que no YouTube mesmo você pode encontrar trechos cortados dessa “entrevista” em que o diretor indica ao ator/“Kubrick” o que dizer e como se comportar para a câmera. É o nível de desonestidade típico dos negacionistas contumazes dos pousos lunares.
6- Os cinturões de Van Allen impediriam qualquer missão além da órbita da Terra! Por isso, as missões são falsas!
OK, vá dizer isso às tartarugas russas que viajaram na Zond 5 soviética e deram a volta na Lua em 1968! Na verdade, James Van Allen (e não Van Halen, pelamordezeus) era cientista envolvido com o primeiro satélite artificial da Nasa, o Explorer 1! Ele foi o responsável, em 1958, pela descoberta dos cinturões de radiação gerados pela interação do vento solar com o campo magnético da Terra, que já eram relativamente bem caracterizados na época das missões Apollo. Elas foram projetadas para reduzir ao mínimo a exposição dos astronautas aos cinturões, escolhendo o melhor ângulo para saída da Terra e fazendo a travessia rapidamente. Com efeito, medições foram feitas da exposição dos astronautas à radiação durante as missões e ficou constatado que nenhum deles chegou a sofrer exposições elevadas à radiação. (E temos de lembrar que a Estação Espacial Internacional rotineiramente cruza o mais baixo dos cinturões quando sobrevoa a Anomalia Magnética do Atlântico Sul, uma região em que a radiação deles atinge altitude menor, por razões ainda pouco compreendidas. Ninguém morre de envenenamento radioativo lá.)
7- E o jipe? Como podia caber o jipe grandão no módulo lunar?
8- Quem podia filmar a decolagem do módulo lunar se ninguém ficava na Lua?
As decolagens só foram filmadas nas missões Apollo 15, 16 e 17, e o segredo para isso era o jipe, que tinha uma câmera, bateria e uma antena para comunicação com a Terra. Assim, a câmera podia ser controlada remotamente para acompanhar a subida do módulo de ascensão, e as imagens podiam ser enviadas para nós. O difícil era sincronizar o apontamento, por conta do atraso de mais de um segundo entre o comando ser transmitido daqui e chegar até lá. Ou seja, o controlador tinha de ordenar o movimento mais de um segundo antes para a gravação dar certo. E esse sucesso de sincronização só veio com a Apollo 17, num vídeo incrível que mostra o módulo subindo, subindo e subindo, bem mais que o teto de qualquer estúdio de Hollywood.
9- Mas se havia esse atraso nas comunicações, como seria de se esperar, como podem os astronautas conversarem em tempo real com o controle da missão?
Não podem, e não conversam. Há um atraso de alguns segundos entre perguntas e repostas, que pode ser notado com clareza nos áudios originais da Nasa. Às vezes, pelo atraso, eles falam uns por cima dos outros! Evidentemente, para apresentações em programas de TV, muitas vezes o silêncio é cortado para ganhar tempo e dar dinamismo à narrativa. Mas quem viu ao vivo sabe que havia atraso entre as falas. (Confira aqui uma recriação em tempo real do pouso da Apollo 11, que mostra isso!)
10- Por que os astronautas parecem caminhar como se fosse um vídeo exibido em câmera lenta?
A Lua tem gravidade que é um sexto da terrestre, o que exigiu adaptação dos astronautas para caminharem com mais eficiência por lá. Isso resulta nos movimentos observados. Não pense, contudo, que foi só glamour. Conforme as missões foram se sucedendo e os exploradores foram ganhando confiança, começaram a tentar movimentos mais casuais e não raro levaram capotes incríveis em solo lunar (como este da Apollo 16). Para se levantar, tinham de fazer manobras impensáveis – que nenhum truque de câmera lenta poderia reproduzir.
11- Por que não há uma cratera sob o módulo lunar, uma vez que seu motor-foguete foi usado para o pouso?
Os pés do módulo lunar tinham uma haste de quase 2 metros que sinalizava a proximidade com o solo para o desligamento do motor. Assim que ela tocasse o chão, uma luz de contato se acendia na cabine, e o motor era desligado. O último metro e meio de descida era feito em queda livre, com motor desligado. Ou seja, não houve grande exposição do solo à exaustão da tubeira. E o efeito foi ainda mais reduzido pelo fato de o módulo estar realizando um deslocamento horizontal até o momento do pouso.
12- E por que os pés do módulo lunar não afundaram mais no solo, considerando que ele desceu em queda livre o último metro e meio?
Cair na Terra é seis vezes mais agressivo do que cair na Lua. O incremento de velocidade pela gravidade lá era bem pequeno, e o módulo lunar em si pesava um sexto na Lua do que na Terra. Tudo isso contribui para não haver grande afundamento — apenas alguns centímetros — dos pés. Isso sem falar que as hastes de contato se colocavam por baixo dos pés no pouso, reduzindo ainda mais o quanto eles seriam capazes de afundar. (Repare no tamanho da haste e em como ela ficava sob o pé do módulo na foto que abre este texto!)
13- E as estrelas, por que não há estrelas nas fotos?
As câmeras fotográficas estavam reguladas para registrar os detalhes da superfície lunar, não as estrelas. Embora o céu seja escuro pela falta de atmosfera, é preciso lembrar que era dia na Lua, e o solo lunar brilhava vivamente refletindo a luz solar. Mais ainda os trajes brancos dos astronautas. A luz das estrelas era comparativamente muito mais fraca, e só registraria nas câmeras se o filme fosse exposto por muito mais tempo — e aí todas as imagens do solo lunar pareceriam ser um brancão estourado e indistinto. Confira o vídeo a seguir para entender melhor o que se passa.
A rachadura na plataforma de gelo Larsen C, fotografada em novembro de 2016 de um avião de pesquisas da Nasa . Foto: John Sonntag/IceBridge/GSFC.
Um evento colossal que era esperado havia meses enfim aconteceu: em algum momento entre segunda e quarta-feira, um iceberg de 5.800 quilômetros quadrados, maior que o Distrito Federal, se desprendeu da plataforma de gelo Larsen-C, na Antártida.
O bloco de gelo, batizado A68, pesa 1 trilhão de toneladas e é um dos maiores icebergs já registrados na história. É também o maior a se formar desde 2002. O evento reduz em 10% a plataforma de gelo Larsen-C, a maior da Península Antártica.
A quebra foi confirmada por imagens de satélite, após três anos de monitoramento da rachadura na plataforma de gelo feito por pesquisadores do Projeto Midas, da Universidade de Swansea, no País de Gales.
Entenda o fenômeno, suas ligações com a mudança climática e suas eventuais repercussões nas perguntas e respostas abaixo:
1 – Por que está todo mundo falando nisso?
Porque, sob qualquer perspectiva, a formação do iceberg A68 é um evento espetacular. Ele ocorre numa das regiões do planeta mais influenciadas pelo aquecimento da Terra, e mudará permanentemente a geografia do local. Não é todo dia que uma porção de gelo do tamanho de quatro cidades de São Paulo sai flutuando por aí. O último evento dessa magnitude ocorreu em 2002, quando o iceberg B15 se soltou da plataforma de Ross, no oeste antártico. Ele media 295 km e tinha uma área maior que a da Jamaica: 11 mil quilômetros quadrados.
2 – O novo iceberg vai aumentar o nível do mar em quanto?
Em zero milímetro. Plataformas como a Larsen-C são blocos de gelo que já estão flutuando no mar. Como um cubo de gelo num copo de uísque, seu derretimento não afeta o nível do líquido, porque elas já deslocaram o equivalente em água ao seu volume (lembre-se da banheira de Arquimedes). Portanto, o trilhão de toneladas do A68 não vai impactar o nível global dos oceanos.
O problema é o que aconteceria com o nível do mar se os outros 90% a plataforma Larsen-C se espatifassem inteiros. A plataforma é alimentada por várias geleiras que descem do interior montanhoso da Península Antártica, o “chifre” de 1.300 km de extensão do continente austral. Esse gelo, se fosse parar no oceano, poderia aumentar o nível do mar. As plataformas de gelo funcionam como “freios” ao escoamento dessas geleiras; portanto, sem elas, a tendência seria de aceleração dos glaciares, perda de gelo continental e elevação do oceano. Quando a plataforma Larsen-B quebrou, em 2002, as geleiras que ela freava passaram a acelerar, e hoje contribuem para o nível do mar.
3 – Mas a plataforma Larsen-C pode desaparecer?
Neste momento é difícil dizer qualquer coisa a esse respeito. Há um estudo de 2015 que estima que, com a quebra do iceberg gigante, toda a plataforma Larsen-C ficaria numa configuração instável e sujeita a colapso. Só os próximos anos dirão se isso ocorrerá de fato. Mas o precedente histórico depõe contra a estabilidade da Larsen-C: de 12 plataformas de gelo da Península Antártica, sete já colapsaram nas últimas décadas.
As quebras sucessivas parecem ser a realização sombria de uma antiga profecia sobre a mudança climática: a de que, num mundo em aquecimento perigoso, as primeiras vítimas seriam as plataformas de gelo da Antártida, e elas se esfacelariam de norte para sul, a partir da ponta da Península.
Essa previsão foi feita pelo glaciologista americano John Mercer em 1978. E encontrou sua confirmação justamente nas plataformas de gelo Larsen. Em 1978 elas eram quatro. Hoje restam apenas duas.
A Larsen A, a menor das três (veja o mapa do Climate Signals), se rompeu em 1995. Na época pouca gente deu bola, já que não havia monitoramento frequente por satélites e a influência da humanidade no aquecimento da Terra apenas começava a mostrar sinais evidentes.
Em 2002 foi a vez da Larsen B, e a história foi outra: a desintegração da plataforma, que pareceu explodir em milhares de icebergs, foi acompanhada em tempo real pelos cientistas. O evento durou pouco mais de um mês, levando embora uma área de 3.275 quilômetros quadrados de gelo que hoje é mar aberto. O verão de 2002 foi um dos mais quentes da história na Península Antártica, que por sua vez é uma das regiões do planeta que mais aqueceram: cerca de 3oC desde 1950. Aquele foi um dos alertas mais poderosos já dados sobre a realidade – e o perigo – da mudança do clima.
4 – E o que acontece com o planeta em caso de colapso?
Uma eventual perda da Larsen-C não seria exatamente o fim do mundo: toda a Península Antártica contém o equivalente a meio metro de elevação do oceano. O problema é que, no atual cenário de aquecimento da Terra, cada centímetro de aument12o evitado conta: o nível do mar já subiu 20 cm no último século e pode chegar a 2100 1 metro mais alto do que na era pré-industrial, o que seria uma catástrofe para cidades litorâneas como o Rio, Santos e Recife.
5 – A quebra foi natural ou é efeito do aquecimento global?
Não há uma resposta direta para essa pergunta. Os pesquisadores que monitoram a rachadura na plataforma Larsen-C desde 2014 dizem que não é possível ligar diretamente a quebra do iceberg ao aquecimento da Terra.
Esses eventos, afinal, são naturais e característicos do comportamento de plataformas de gelo da Antártida.
Essas imensas línguas de gelo flutuante são formadas pela união da foz de várias geleiras. Como rios, as geleiras escorrem para o mar (lentamente) devido ao acúmulo de neve. De tempos em tempos, a frente de uma plataforma se desprende, formando os icebergs planos característicos do continente austral, e cresce de novo devido ao escoamento das geleiras. “Icebergs precisam se desprender e novo gelo se forma para substituí-los. Pelo menos é assim que deveria funcionar”, diz Ian Joughin, glaciologista da Universidade de Washington, nos EUA. Num clima estável, a tendência é que as plataformas de gelo permaneçam mais ou menos do mesmo tamanho.
A rachadura na Larsen-C, que existe pelo menos desde a década de 1980, é parte desse ciclo natural. Nos últimos três anos, no entanto, ela passou a crescer de forma acelerada, o que resultou no colapso testemunhado nesta semana. Não há, no entanto, evidência de que o crescimento se deva a aquecimento da atmosfera no local ou do oceano. O caso é muito diferente do da Larsen-B, que es espatifou devido a milhares de poças formadas pelo derretimento do gelo em sua superfície, algo que foi ligado diretamente às altas temperaturas.
Ocorre que a Península Antártica é uma região altamente impactada pelo aquecimento global. E todas as suas plataformas de gelo vêm ficando cada vez mais finas: a Larsen-C, por exemplo, perdeu 5% de seu volume entre 1994 e 2012. Só que nos últimos anos essa tendência de afinamento parece ter se reduzido.
Esta imagem mostra a tendência de volume das plataformas de gelo antárticas; círculos vermelhos indicam perda, azuis, ganho. Fonte: Paolo et al., “Science”, vol. 348, ed.6232.
“Nos últimos anos do registro a taxa de afinamento da Larsen-C diminuiu, isto é, sua espessura passou a crescer lentamente”, disse o glaciologista brasileiro Fernando Paolo, da Universidade da Califórnia em San Diego, que monitora as plataformas de gelo de toda a Antártida. “Hoje temos mais dados. Nosso registro vai de 1994 a 2017, mostrando que essa lenta recuperação da espessura continuou em anos recentes.”
Só que também foram detectados na plataforma outros sintomas de colapso, como formação de poças d’água e aceleração do fluxo de gelo.
Em resumo, o quadro é complexo e é cedo para apontar o dedo para a mudança climática aqui. Mas tampouco dá para descartá-la como fator a influenciar a quebra.
6 – Mas a Antártida não está ganhando gelo?
Não, não está. Esse argumento ganhou tração em 2015 devido a um estudo publicado pelo glaciologista Jay Zwally, da Nasa, segundo o qual o continente antártico na verdade estaria contribuindo para reduzir o nível do mar. O estudo foi avidamente reportado pela imprensa como um questionamento ao IPCC, o painel do clima da ONU, que diz que a Antártida tem contribuído nos últimos anos para elevar o nível do mar e o fará ainda mais intensamente nas próximas décadas.
Vamos por partes: é preciso saber de que tipo de gelo e de que Antártida se está falando. A Antártida até recentemente estava ganhando gelo, sim, de pelo menos uma maneira: o cinturão de mar congelado que se forma todo ano ao redor do continente passou anos crescendo cerca de 100 mil quilômetros quadrados por ano. De 2016 para cá ele começou a bater recordes de baixa. Na Península Antártica, região mais afastada do polo Sul, o gelo marinho vem diminuindo paulatinamente.
O que Zwally e colegas argumentaram em seu estudo é que existe um outro ganho de gelo: o manto de gelo que recobre o continente estaria “engordando” de 1 cm a 3 cm por ano, devido a uma resposta lenta a mudanças ocorridas no fim da última glaciação, 12 mil anos atrás. Essa engorda estaria acontecendo sobretudo no leste antártico, que concentra mais de 85% do gelo do sexto continente. Tal ganho seria capaz de compensar as perdas que o próprio Zwally e vários outros colegas já comprovaram, usando vários instrumentos diferentes, estar acontecendo em duas outras regiões: a Península Antártica e o oeste antártico.
Que não haja dúvida aqui: existe perda de gelo no continente antártico, muito bem documentada por satélites da Nasa e da Agência Espacial Europeia. Foi a Nasa quem mostrou o rompimento em tempo real de plataformas de gelo na Península Antártica. E foi a Nasa quem revelou, em 1998, que as geleiras do oeste antártico estavam em franco derretimento. No período de 2002 a 2011, a perda de gelo foi de 147 bilhões de toneladas por ano, segundo o IPCC, o que teria elevado o nível do mar em 0,27 milímetro por ano. Quase todo esse gelo vem do oeste antártico. Um estudo recente sugere que o colapso das geleiras do oeste antártico é irreversível e fará o mar subir 3,3 metros na escala de séculos.
O leste é um mistério que os cientistas ainda não conseguiram decifrar. Nenhuma das medições com satélite feitas até aqui conseguiram responder se há ganho ou perda de gelo naquela região. Os cientistas costumam dizer que ela está em equilíbrio.
O estudo de Zwally muda algumas premissas sobre os dados e argumenta não apenas que há ganho, mas que esse ganho mais do que compensa as perdas. Mas, como as medições naquela região são muito difíceis de fazer, alguns glaciologistas acham que ele está errado – embora “haja uma chance pequena de que esteja certo”, como disse Ian Joughin, da Universidade de Washington. A figura abaixo, produzida por um pesquisador da Instituição Oceanográfica de Woods Hole, nos EUA, mostra onde está o consenso em relação à dieta da Antártida: as perdas ou ganhos de gelo são representadas pelos retângulos. De 13 estudos, o de Zwally (retângulos marrons no alto da imagem) é o único a apontar ganho líquido. A maioria aponta perdas, aceleradas a partir de 2005 (aqui Zwally tem outro problema, já que a série de dados usada por ele só vai até 2008).
Não é apenas a modelo Gisele Bündchen que recomenda, a matemática também: fazer xixi enquanto você toma banho pode salvar o planeta.
Como isso é possível? O site IFL Science partiu da lógica de que toda vez que uma pessoa faz xixi, ela dá uma descarga.
Essa informação foi somada a outros dois dados. O primeiro é uma pesquisa feita pela ONG Home Water Works, que mostrou que a quantidade de água utilizada por uma descarga média em uma privada é de seis litros.
O segundo é um estudo feito pela Cleveland Clinic, nos EUA, que revelou que um adulto urina cerca de sete vezes a cada 24 horas.
Ao multiplicar a média de litros usada por uma descarga pela quantidade de vezes que um adulto urina por dia, o IFL descobriu que uma pessoa gasta 42 litros de água diariamente somente com a descarga.
Esse número foi multiplicado por 365 (quantidade de dias que completa um ano) para que chegasse ao final da conta: um absurdo de 15.330 litros de água usados em descarga por cada pessoa.
Como apenas 48,6% da população brasileira (ou seja, cerca de 100 milhões de habitantes) tem acesso à coleta de esgoto, a quantidade de água jogada fora por ano no Brasil para limpar a urina depositada no vaso sanitário é de mais ou menos 1,5 trilhão de litros.
Agora, se cada pessoa urinar uma vez no banho, restarão apenas outras seis vezes para a privada. A economia de água por cada indivíduo ao longo de um ano será de 2.190 litros.
Se estendermos esse valor para a parcela dos cidadãos brasileiros que tem coleta de esgoto em suas casas, nós salvaríamos cerca de 219 bilhões de litros de água a cada ano. Um número considerável.