Reconstituição artística mostra Homo floresiensis após ter abatido um animal
Parece que a convivência entre hobbits e seres humanos só aconteceu mesmo nas páginas do clássico "O Senhor dos Anéis". Novas escavações na caverna da Indonésia onde vivia o Homo floresiensis(humano primitivo que media apenas 1 m e foi apelidado de "hobbit) sugerem que ele se extinguiu há uns 50 mil anos - provavelmente antes de o homem moderno aportar por lá.
Com base nos dados iniciais obtidos no abrigo rochoso de Liang Bua, que fica na ilha de Flores, os pesquisadores haviam proposto que a espécie de "hobbits" teria sobrevivido até 12 mil anos atrás. Nessa época, os seres humanos anatomicamente modernos, ou Homo sapiens, já tinham invadido praticamente todas as regiões do planeta e estavam inclusive começando a dominar a agricultura. Seria bastante provável, portanto, que as duas espécies tivessem entrado em contato, e até que a chegada de invasores humanos pudesse ter sido a causa do sumiço do diminuto H. floresiensis.
Peter Brown
Crânio de humano moderno (direita) e do Homo floresiensis, hominídeo anão que viveu na Indonésia
Desde a publicação dos resultados originais sobre o hobbit indonésio (feita em 2004), no entanto, arqueólogos e antropólogos voltaram à caverna de Liang Bua diversas vezes e puderam examinar com mais cuidado a estratigrafia do local, ou seja, como as camadas de sedimentos e rocha se acumularam ao longo dos milênios por ali.
É o que descreve a equipe liderada pelo indonésio Thomas Sutikna, da Universidade de Wollongong, na Austrália, na última edição da revista científica "Nature". Eles verificaram que boa parte da caverna estava recoberta por uma espécie de pedestal de sedimentos, que inclui pedaços de estalagmites, fragmentos vulcânicos - e também ossos do H. floresiensis, de um parente anão dos atuais elefantes chamado stegodon e ferramentas de pedra que parecem ter sido produzidas pelos "hobbits".
A questão é que uma das beiradas desse pedestal parece ter sido quebrada pela erosão (provavelmente durante inundações) e depois recoberta com sedimentos bem mais recentes. Ao datar essa cobertura secundária, que estava por cima de alguns dos ossos e artefatos dos H. floresiensis, a equipe teria concluído -erradamente- que a extinção da criatura foi muito recente.
Ao usar uma série de métodos para datar fósseis e artefatos distantes dessa beirada, obtidos em sedimentos não perturbados, Sutikna e seus colegas chegaram à estimativa mais antiga para o fim da presença da criatura na ilha.
O trabalho recém-publicado, porém, provavelmente está longe de ser a última controvérsia em torno do misterioso hominídeo nanico. A principal hipótese para explicar seu tamanho é a do nanismo de ilhas, segundo a qual o isolamento em Flores levou a seleção natural a favorecer indivíduos menores, que consumiam menos recursos -é o que também teria acontecido com o "elefantinho" stegodon.
O cérebro do hobbit era do tamanho do de um chimpanzé moderno, o que sugeriria que seus ancestrais eram hominídeos relativamente primitivos, talvez próximos dos australopitecos. Mas ainda há uma minoria de pesquisadores que atribuem as características dele a algum tipo de problema de saúde, como a microcefalia.
Marcos Pontes foi o primeiro brasileiro a ir para o espaço
Dez anos após entrar para a história a bordo da Soyuz TMA-8 e se tornar o primeiro astronauta brasileiro a vencer a atmosfera terrestre rumo à Estação Espacial Internacional (ISS), o coronel da reserva Marcos Pontes se sente dividido entre as melhores lembranças da experiência e as decepções com o programa espacial brasileiro. "Estamos muito aquém do que era o mínimo esperado para um país da categoria e intenções de desenvolvimento que é o Brasil", afirma o paulista de Bauru que passou 10 dias no espaço em entrevista ao Portal EBC.
Formado em engenharia aeronáutica e com experiência como piloto de testes da FAB (Força Aérea Brasileira), Marcos Pontes ingressou em 1998 na Nasa, a agência espacial norte-americana. Mas o governo brasileiro da época não arcou com os compromissos firmados e a parceria foi encerrada.
Além de realizar a manutenção na ISS, Pontes foi responsável à época por aplicar projetos comerciais, científicos e experimentos educacionais. No dia 8 de abril de 2006, o astronauta brasileiro voltou ao planeta Terra dentro da cápsula de reentrada da Soyuz TMA-7, um dos momentos mais críticos de toda a viagem espacial.
Depois de 10 anos da chegada do Brasil ao espaço, Marcos Pontes relembra dos "demônios do negativismo" e conta os efeitos do espaço que ainda percebe em seu corpo: sangramento dos ouvidos, alergias e alterações de peso. Confira abaixo a entrevista do astronauta brasileiro.
Em 1997, o Brasil havia feito um acordo com o Programa da Estação Espacial Internacional (ISS) por meio da Nasa e deveria produzir seis partes da estação e fornecer um astronauta para a equipe de manutenção e operação da estação.
Marcos Pontes, militar da Força Aérea Brasileira (FAB), participou de concurso público específico e foi selecionado. Nesse momento, viu-se obrigado a largar sua carreira militar já que o programa não permitia qualquer tipo de envolvimento militar ou bélico.
Em seu site, Marcos Pontes descreve o exato momento que precisou optar pelo caminho civil: "aquilo me deu um frio na barriga, era como abandonar um porto seguro, pois minha carreira militar estava indo muito bem, e embarcar em um projeto que eu não tinha certeza que iria ter sucesso. Havia muitas variáveis a serem definidas ainda."
Decidido, foi para a Johnson Space Center, em Houston (Texas), para participar de um curso de dois anos para obter o "brevê de astronauta". Achando que iria viajar em 2001, o astronauta relata diferentes problemas políticos que fizeram com que o país não cumprisse o acordo com a Nasa.
Posteriormente, a Agência Espacial Brasileira (AEB) fez um acordo com a Rússia, também parceira majoritários da ISS, para que ele fosse escalado para o voo em 2006.
"De repente, de acordo com a AEB, eu teria apenas 5 meses (o tempo normal para treinar um cosmonauta é de 2 anos) para aprender tudo sobre os sistemas russos para incluí-los nas minhas tarefas técnicas a bordo e, de quebra, aprender a língua russa, em paralelo, nos primeiros três meses em Star City, Moscou, no Centro de Treinamento de Cosmonautas, para onde eu estava sendo transferido."
Entre suas missões no espaço, Marcos Pontes levou ao espaço quatro pesquisas tecnológicas com finalidade comercial, quatro pesquisas científicas e dois experimentos educacionais.
O fato de realizar experimentos com alunos do ensino fundamental virou alvo de crítica da imprensa brasileira, ao que rebateu veemente Pontes:
"No Brasil, a imprensa e alguns "cientistas" - as aspas são para ressaltar o meu espanto com a falta de visão científica e estratégica desses críticos - se limitaram apenas a criticar o custo da missão e citar, muitas vezes de forma irônica, os experimentos das crianças de São José dos Campos."
A pesquisa com os estudantes envolvia a germinação de sementes de feijão e a cromotografia da clorofila (medição da graduação da clorofila). As demais pesquisas envolveram testes sobre os efeitos da microgravidade na cinética das enzimas, danos e reparos do DNA na microgravidade, evaporadores capilares, minitubos de calor e nuvens de interação protérica,
A sua ida ao espaço é resultado de uma longa trajetória dentro da Força Aérea Brasileira. Já tentaram desacreditá-lo do sonho de se tornar astronauta? Se sim, o que fez o senhor continuar?
Pontes: Certamente. Foram muitos anos de trabalho, estudo e muita persistência para vencer os "demônios do negativismo" dentro da própria mente e a sua torcida externa. O que me fez e me faz continuar é perceber que a satisfação de vencer esses demônios é muito maior que o medo de enfrentá-los.
A partir dos resultados de pesquisas e dos próprios relatos dos próprios astronautas, a ida do ser humano ao espaço gera uma série de efeitos indesejáveis ao corpo, a maioria deles determinada pela falta de gravidade e da maior radiação sobre o corpo dos astronautas, já que não há atmosfera para agir como "filtro solar".
Recentemente, o norte-americano Scott Kelly retornou de uma missão de um ano a bordo da ISS, o maior período em que um astronauta ficou exposto aos efeitos da microgravidade. Scott chegou a "esticar" cinco centímetros de tamanho por causa da falta de pressão em sua coluna vertebral.
A viagem de Marcos Pontes foi bem menor. Ele ficou dois dias a bordo da Soyuz e oito dias dentro da ISS. Mesmo exposto por menos tempo, teve que enfrentar muitos dos efeitos indesejados ao corpo por causa da falta de gravidade e contatos com a radiação.
A osteoporose, perda de células ósseas, é um dos efeitos mapeados. Já a fraqueza muscular é consequência da atrofia dos músculos que são menos usados em ambiente com microgravidade. No espaço, a desorientação espacial é acompanhada de dores na cabeça, coriza, alteração na pressão intraocular e desidratação.
Mas o que chama a atenção do público é o envelhecimento precoce devido a maior radiação sobre as células, deteriorando-as e dificultando sua recomposição.
"O envelhecimento precoce é um dos efeitos na saúde. Durante o tempo no espaço não tive grandes problemas. O real problema é depois do voo: alterações no sistema hormonal, radiação, envelhecimento, perda de densidade óssea, alterações no sistema imunológico."
Há alguma sequela que o senhor sentiu ou sente desde a sua volta à Terra?
Pontes: Isso se traduz em alguns inconvenientes como sangramento dos ouvidos, alergias, alterações de peso, além de ter acompanhamento médico constante para manter a boa saúde.
Depois de cumprir sua missão no espaço, Marcos Pontes, o cosmonauta Valery Tokarev e o turista espacial norte-americano Gregory Olsen precisaram se preparar para um dos momentos mais tensos da viagem, a volta.
O procedimento de volta do espaço ocorreu com a espaçonave Soyuz TMA-7 se desacoplando da Estação Espacial Internacional.
A aeronave é dividida em três partes. Uma dessas partes é uma cápsula contendo os três tripulantes, que queima ao reentrar na atmosfera. Contudo, ela é feita de material que resiste até 2500 graus. Mas não é só o calor que incomodou Marcos Pontes e seu colegas. A carga de pressão na cápsula chega a ser 11 vezes maior do que o próprio peso na Terra. Ou seja, eles foram pressionados contra os assentos.
No roteiro da reentrada, paraquedas se abrem para diminuir a velocidade. Por fim, foguetes de pouso são acionados levantando a poeira do deserto do Cazaquistão. Mesmo assim, a cápsula atinge o chão a 50 km/h.
A sua volta dentro da Soyuz TMA-8 apresenta-se como um dos momentos marcantes da sua volta. Qual é a sensação de estar dentro da cápsula "furando" a atmosfera do Planeta?
Pontes: A reentrada é o momento mais crítico do voo, sem qualquer dúvida. A sensação é de impotência, ja que não há praticamente nada que possamos fazer para resolver um eventual problema estrutural.
No futuro breve, conseguiremos algum tipo de mecanismo de propulsão como aparecem nos filmes como Star Wars e outros?
Pontes: No futuro breve, teremos novos sistemas de propulsão, mas chegar à sofisticação do Star Treck ou Star Wars ainda vai demorar um tanto.
O Programa Espacial Brasileiro é coordenado pela AEB. Mesmo tendo uma base de lançamento localizada em local propício (perto da linha do Equador), o Brasil precisou fechar uma parceria com a China para lançar satélites sino-brasileiros em território oriental.
O programa é alvo de críticas e necessita de recursos significativos para o projeto. Para o astronauta Marcos Pontes, há muito o que ser feito para recolocar o Brasil rumo à conquista do espaço.
O senhor tem acompanhado o Programa Espacial Brasileiro? Como o senhor o avalia?
Pontes: Sim. Estamos muito aquém do que era o mínimo esperado para um país da categoria e intenções de desenvolvimento que é o Brasil.
Para que o Programa possa engrenar, o que precisa ser feito daqui em diante?
No curto prazo, grande mudança estrutural do programa, incluindo gestão; parceria racional com países líderes do mercado internacional e Intercâmbio de pesquisadores.
No médio prazo, inclusão de diretoria de formação e educação; melhoria grande da divulgação do programa (Publico e autoridades); criação de cursos de formação técnica e otimização de portfólio de projetos.
No longo prazo, a mudança das leis de participação de setor privado em universidades públicas e centros de pesquisa; mudança de leis de licitação de produtos de alta tecnologia; reposição de Recursos Humanos do programa; otimização e ampliação das instalações técnicas; criação de laboratórios compartilhados com universidades e empresas; Centro de Lançamento de Alcântara via parceria comercial internacional.
Em maio de 2006, Marcos Pontes foi transferido para a reserva militar por motivos de regulamento e por ser mais útil ao campo civil, conforme explica em sua biografia. Contudo, o astronauta reclama que parte da imprensa brasileira disse que ele teria se aposentando logo depois da missão para ganhar dinheiro com palestras.
"A repercussão negativa das calúnias foi tão grande que até hoje existem alguns idiotas que acreditam e repetem essa bobagem! Do meu ponto de vista, a repercussão daquelas calúnias teve lados bons e ruins."
Sem apoio dos órgãos públicos, Pontes afirma que contou mais com o auxílio do setor privado e de órgãos internacionais. Em 2010, criou a Fundação Astronauta Marcos Pontes para focar na promoção do setor espacial, da educação, ciência, tecnologia e sustentabilidade.
O astronauta criou uma agência de turismo espacial e tem o executivo paulista Bernardo Hartogs, de 53 anos, como cliente. Ele será o primeiro turista espacial do Brasil a participar do projeto internacional Virgin Galatic. Contudo, Pontes não considera que um possível turista espacial possa ser chamado de segundo astronauta brasileiro.
"Para ser astronauta profissional, é necessário fazer o curso na NASA ou em Star City, com duração de dois anos e ser declarado pela NASA ou Roscosmos como astronauta ou cosmonauta profissional"
Sobre a formação desses novos profissionais, Pontes se mostra bastante preocupado:
O senhor tem trabalhado bastante com educação e sustentabilidade. Nesse sentido, como veem os jovens brasileiros em relação ao interesse pela astronomia?
Pontes: A astronomia é uma ótima ferramenta para atrair jovens para as carreiras de ciência e tecnologia, tão necessárias ao desenvolvimento do país. Uso isso e outras na minha fundação. Contudo, obviamente nosso alcance é pequeno perante as necessidades (números) do país.
Faltam profissionais mais dedicados nessa área?
Pontes: O que me deixa triste e preocupado é ver praticamente a ausente participação do governo em programas desse tipo (STEM - Science, Technology, Engineering and Math) para nossos jovens em grande escala.
Se compararmos com outros países como o próprio Estados Unidos, os brasileiros de hoje seriam menos adaptáveis a uma exploração do espaço ou de Marte?
Pontes: Não. Temos jovens brilhantes no Brasil. Espero poder ajudá-los a realizar essas missões.
A Estação Internacional Espacial possui os Estados Unidos e a Rússia, antigos inimigos de Guerra Fria, como parceiros majoritários. Montado por módulos desses e de outros países parceiros, a ISS não pode ter fins militares. Para Marcos Pontes, que treinou para viajar com os norte-americanos, e teve que se adaptar a uma viagem com os russos, o espaço se coloca como oportunidade para um novo arranjo político e social.
A ISS une duas grandes potências mundiais (EUA e Rússia) que vivem em grande tensão. Essa tensão é sentida também no espaço? Ou a política ganha novos sentidos no espaço?
Pontes: Uma das belezas do programa da ISS é poder mostrar na prática que é possível convivermos em paz, independentemente de partidos políticos, religião, raça etc. Todas essas divisões são criadas por pessoas ou organizações que, de uma forma ou de outra, lucram com os resultados ruins advindos (guerras, desentendimentos etc). O ser humano intrinsecamente foi criado para conviver bem socialmente. Coloque crianças de todos os países diferentes para brincar juntas e verás que, em poucos minutos, não há barreiras de cultura, língua etc. As tensões políticas são criadas sempre com o interesse de alguém. Se esses pessoas realmente dependessem (ou tivessem a noção que realmente dependem) da vida umas das outras, isso não seria assim.
Cerca de 80 milhões de quilômetros separam a órbita terrestre da marciana. Mesmo assim, a Europa e a América do Norte realizam uma nova corrida espacial de colonização do planeta vermelho. A ideia é levar uma tripulação de novos colonizadores com passagem somente de ida. O projeto audacioso ganhou impulso com a descoberta da existência de água líquida salgada e corrente em Marte.
Mas quando falamos em sustentabilidade, será que não era melhor se focar na Terra em vez de outros planetas? Sobre esses pontos, o primeiro astronauta brasileiro considera que os dois projetos estão interligados.
A ida a Marte é o projeto principal da Nasa no momento. O senhor acredita que é esse o foco correto? Ou deveríamos olhar mais para como garantir uma maior sobrevida da Terra no Universo?
Pontes: As duas coisas são diretamente interligadas. Quando desenvolvermos sistemas para chegar e sobreviver em Marte, também teremos desenvolvido soluções para problemas essenciais da Terra: alimentação, água, energia, saúde etc.
Em Marte, o senhor daria alguma dica de como as pessoas precisariam se relacionar politicamente para serem capazes de, literalmente, sobreviverem ao novo?
Pontes: Que o dinheiro seja proibido. Que o amor e a compaixão sejam os critérios. Que o conhecimento seja compartilhado com sabedoria. Que a igualdade seja parceira da meritocracia.