quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Uma mancha solar gigante

A chuva pode estar rara no Sudeste brasileiro, mas o clima espacial anda prodigioso em tempestades solares, com o aparecimento da maior mancha solar já vista nos últimos 24 anos. Ela é do tamanho do planeta Júpiter!
Mancha solar com 125 mil km de diâmetro, fotografada pelo satélite Solar Dynamics Observatory, da Nasa.
Mancha solar com 125 mil km de diâmetro, fotografada pelo satélite Solar Dynamics Observatory, da Nasa.
É bem verdade que estamos na época de pico de atividade do Sol em seu ciclo de 11 anos — o chamado máximo solar. Mas ainda assim a mancha impressiona. Entre os dias 18 e 27 de outubro, ela produziu nada menos que sete erupções solares da classe X — as mais poderosas –, além de outras menores. Viu-se atividade similar em outra mancha de mesmo porte, um pouco menor, em 2003.
As manchas são produzidas por verdadeiros frenesis magnéticos que ocorrem na superfície do Sol, levando à ejeção de grandes quantidades de matéria solar na direção para onde apontam. Conforme o Sol gira, ele pode muito bem disparar essas rajadas de partículas na nossa direção. O que não é bom.
Embora não sejam ameaça direta à vida, essas tempestades solares podem danificar satélites e até mesmo prejudicar o funcionamento de nossas redes elétricas. Dependendo do tamanho, elas poderiam muito bem causar um blecaute global.

É isso aí, o negócio é perigoso. Uma tempestade solar capaz de causar exatamente isso atingiu a Terra em 1o de setembro de 1859 e foi registrada pelo astrônomo Richard Carrington. Na época já foi um negócio assustador. Auroras boreais chegaram a ser vistas em Cuba e no Havaí, regiões próximas ao equador. Operadores de telégrafo levaram choques, e alguns sistemas continuaram a funcionar mesmo depois de desconectados de suas fontes de energia.
Se acontecesse hoje, um novo evento Carrington seria ainda mais dramático, pois somos muito mais dependentes de sistemas elétricos do que éramos em 1859. Uma estimativa recente prevê um prejuízo de mais de US$ 1 trilhão, só nos Estados Unidos.
E pode acontecer. Uma tempestade similar à do evento Carrington foi vista deixando o Sol em 2012. Felizmente, “errou” a Terra. Mas estima-se que a probabilidade de vermos o fenômeno se repetir até 2022 e efetivamente nos atingir é de 12% — nada negligenciável.

Uma coisa curiosa, contudo, é que a mancha associada à tempestade de 1859 era de porte médio, bem menor que a atual. O que mostra que não é preciso uma supermancha para ter uma supertempestade.
De toda forma, não custa permanecermos ligados no que rola no Sol até a atual mancha se dissipar. Vai que, né?

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

A jornada para construir um elevador até o espaço

Um plano futurista (que surgiu há mais de 100 anos)
A ideia é futurista, mas também é bastante antiga: em 1895, o cientista russo Konstantin Tsiolkovsky elaborou uma proposta inicial para um elevador até o espaço, e este conceito básico ainda é usado em projetos atuais.
Ao longo dos anos, o entusiasmo com este projeto na comunidade de exploração espacial vem flutuando – às vezes aumenta, às vezes cai. Mas agora, alguns projetos de destaque estão trazendo o elevador espacial de volta ao foco. Eles vêm chamando a atenção de documentaristas e de sonhadores, tornando-se o tema de filmes como Shoot the Moon e Skyline.
O conceito básico, em 1895 e ainda hoje, requer um cabo ancorado se esticando até o espaço, capaz de transportar pessoas e coisas para fora do mundo. Tsiolkovsky imaginou este cabo ancorado à Terra. Os detalhes de seu projeto são totalmente inviáveis: ele queria que o peso fosse suportado na parte de baixo, enquanto planejadores modernos acreditam que ele teria de ser suportado por cima. No entanto, esta ideia de “um cabo saindo da Terra e chegando ao espaço” ainda é o conceito padrão para elevadores espaciais.
O plano mais aceito hoje envolve um ponto de ancoragem na linha do equador, com um cabo que se estende em cerca de 100.000 km acima da superfície da Terra, onde ele se ligaria a uma estação de contrapeso e orbitaria com o planeta.
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Conceito de um elevador espacial via Bruce Irving/Flickr
A ideia de um elevador espacial persistiu por mais de um século, porque seus defensores veem a engenhoca como um passo vital na expansão para além do nosso planeta. Ele poderia ser, no futuro, uma alternativa de baixo custo a foguetes. Alguns teorizam que, como este transporte alternativo iria reduzir drasticamente os custos de levar pessoas e objetos até o espaço, ele poderia democratizar as viagens espaciais.
Hoje, isso está começando a parecer mais crucial do que nunca. Em um cenário pessimista, o elevador para sair da Terra poderia ser uma rota de fuga em potencial: “use em caso de apocalipse global“, uma maneira de começar a colonizar outros planetas e se preparar para desastres. Em um cenário mais favorável, elevadores espaciais poderiam ser um meio para viabilizar a expansão da vida fora da Terra, e para transportar a civilização para lá e para cá.

Quem está tentando

Mas primeiro, teríamos que de fato construir esse elevador. E não são apenas pesquisadores malucos se dedicando ao ambicioso projeto: o laboratório Google X desenvolveu recentementeplanos de construir um elevador espacial; embora eles tenham descartado o projeto, fica claro que o conceito é uma ideia que até o Google considera digno de exploração.
A NASA ajudou a realizar um concurso para incentivar projetos de elevador espacial. Markus Landgraf, analista de missão na Agência Espacial Europeia, fez uma apaixonada TED Talk sobre elevadores espaciais, dizendo que eles fariam o equivalente a transformar uma estrada de terra em uma rodovia. Há uma conferência anual sobre elevadores espaciais dedicada à ideia; e neste ano, uma equipe de especialistas reunidos pela Academia Internacional de Astronautas concluiu que os elevadores espaciais poderiam realmente existir.
De fato, alguns projetos ambiciosos para transportar pessoas ao espaço estão em andamento.
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Arte por Richard Bizley
A Obayashi, uma gigante construtora japonesa, diz que vai erguer um elevador espacial até 2050, capaz de transportar passageiros a 36.000 km acima da Terra, com um “porto terrestre” de ancoragem no oceano. Ele deve custar cerca de US$ 8 bilhões.
O empreendimento é grandioso, mas a Obayashi é uma corporação enorme com dinheiro e poder. Há também a Associação Japonesa de Elevadores Espaciais trabalhando para avançar projetos como este. Não é algo que possa ser ignorado.
A LiftPort, fundada pelo ex-empreiteiro da NASA Michael Laine, é uma operação muito menor de elevador espacial, mas igualmente ousada e potencialmente valiosa. Ao contrário da Obayashi, a LiftPort não tem um cronograma para construir um elevador espacial. Depois de tentar e não conseguir desenvolver um elevador espacial no início dos anos 2000, eles começaram do zero com uma nova filosofia.
A LiftPort quer colocar um elevador espacial na Lua. Laine espera que este elevador lunar sirva como um protótipo de menor gravidade para um elevador espacial na Terra, e também como um instrumento para a Lua, para obter hélio e fazer turismo no nosso satélite. A baixa gravidade e atmosfera zero vão torná-lo mais fácil de construir, mesmo que ainda seja terrivelmente caro.
space elevator (1)Mas antes, a equipe está se preparando para um experimento que enviará um robô a cerca de 7,5 km de altitude. Se eles conseguirem, esta seria a estrutura mais alta do mundo – e eles começariam os planos para construir um elevador na Lua.
Não vai ser fácil: a equipe da LiftPort recentemente teve que reprojetar seu robô, o que atrasou o projeto. Eles não encontraram um local para testes. Eles estão cientes de que projetos como os deles serão “infernalmente caros”. Laine permanece otimista, no entanto:
Este robô que estamos construindo é uma analogia. Estamos tentando compreender o processo mecânico de subir a distâncias maiores e em condições desafiadoras. Nós não podemos simular um elevador lunar muito bem aqui na Terra. Estamos tentando compreender os problemas. Assim que terminarmos este experimento, este provavelmente será o nosso último na Terra. Nós teremos praticamente aprendido tudo o que podemos aprender no planeta.
Ou seja, o LiftPort está se preparando para construir um elevador espacial se preparando para um experimento, que vai informá-los como construir um elevador lunar, o que poderia informá-los como construir um elevador espacial. Este não é exatamente o método mais direto do mundo, mas Laine acredita que essa meticulosidade vai valer a pena, e a entusiasmada equipe dele concorda.

Qual material?

Os céticos apontam vários problemas na ideia de criar uma vertiginosa torre de Babel high-tech. Embora o conceito possa ser lógico, o maior obstáculo é que não existe nenhum material atualmente disponível que seja comprovadamente forte o suficiente para usar em uma estrutura assim.
Mesmo que esse material seja inventado em breve – e estamos nos aproximando disso – ele também poderia ser vulnerável a vibrações. Revoadas de pássaros (na parte inferior) e detritos espaciais (nas partes mais altas) poderiam colidir com ele. Máquinas para transporte de pessoas e carga poderiam criar muita oscilação. Ah, e obviamente, ele seria terrivelmente caro de se construir, impedindo que ele se realizasse.
O maior problema continua a ser esse material ideal. Muitos defensores do elevador espacial – como o físico Bradley Edwards, que escreveu o livro The Space Elevator na década de 90 – acreditam que nanofibras de carbono são um forte concorrente, por serem extremamente leves e 100 vezes mais forte que o aço.
O problema é que ninguém nunca fez uma versão perfeita de um tubo de fibra com mais de um metro de comprimento. Isso é dolorosamente curto: a NASA estima que um elevador espacial teria 230.000 km. Na verdade, a falta de nanofibras disponíveis é uma das razões pelas quais o Google X interrompeu seus planos de criar um elevador espacial.
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Pode haver uma outra opção: John Badding, professor de química na Penn State University, acredita que pequenos nanofilamentos de diamante são promissores nessa tarefa. Mas mesmo que estes nanofios sejam ideais, não significa que exista uma empresa para fabricá-lo nas quantidades necessárias para um cabo gigantesco até o espaço.
A menos que esses materiais se tornem comuns o suficiente para serem fabricados em larga escala, ou alguém crie elevadores espaciais com dinheiro próprio, até mesmo os materiais adequados podem ser muito escassos e raros para tirar do papel a ideia de um elevador espacial.

O real motivo para se construir um elevador espacial

Além de todas as dificuldades técnicas de realmente construir um elevador espacial, há a preocupação legítima de que não há pessoas o suficiente para se criar uma máquina dessas – poucos iriam usá-lo, e ele não faria sentido financeiro. Ben Shelaf, engenheiro mecânico e ex-CEO da Spaceward Foundations – que pesquisa elevadores espaciais – desenvolver um elevador lunar está “à procura de uma solução para um problema que não existe”.
Um motivo convincente para justificar este projeto, e para aumentar o interesse das empresas, poderia acelerar a produção industrial dos materiais necessários para se construir um elevador desses. Mas Laine diz que esses projetos malucos valem a pena mesmo que não vinguem.
“A razão mais importante para fazer isso não tem nada a ver com o espaço, e tem tudo a ver com a tecnologia que deriva do processo de construção”, ele me disse. “Desenvolveu-se muita tecnologia incrível ao ir para a Lua. Então aqui estamos nós, uma empresa privada que, para todos os efeitos, é uma fábrica de ideias. Criamos novas ideias, e todas se concentram no conceito de ir à Lua, mas podemos pegar essas ideias e comercializá-las… Dá para ganhar rios de dinheiro e tornar o mundo um lugar melhor”.

“Shoot the Moon”, um documentário sobre a LiftPort, está arrecadando fundos no Kickstarter.
Benjamin Harrison Ahr, diretor do filme Shoot the Moon, não esconde sua admiração pela comunidade de elevadores espaciais. “Este é um grande tipo de ideia descomunal, próxima à ficção científica, e é incrível vê-la inspirar as pessoas. Elas estão dispostas a dedicar uma quantidade enorme de tempo para ajudar no projeto, porque querem que exista um elevador espacial”, ele me disse.
Ele só não me disse se acredita que o projeto possa sair bem-sucedido; seu documentário é mais sobre o processo e a equipe do que sobre a meta em si. Mas há uma razão para isso: há uma chance extremamente grande de a meta não ser alcançada tão cedo.
É fácil se opor à ideia de elevadores espaciais, mas o desejo de construir um deles persiste. Mesmo se o elevador lunar for um fracasso total e a Obayashi atrase seu projeto em 100 anos, elevadores espaciais são uma ideia lógica, e vale prestar atenção nela. Afinal, algumas grandes ideias soam completamente absurdas à primeira vista (como uma lâmpada elétrica, ou como voar). O elevador espacial é uma dessas ideias malucas, mas brilhantes.
“O Elevador Espacial será construído cerca de 50 anos depois que todo mundo parar de rir”, escreveu Arthur C. Clarke. E admiramos quem não está disposto a esperar tanto tempo assim.
Imagem inicial por Jim Cooke